Quando Antonio acordou da anestesia não tinha ideia de onde estava. Aos poucos foi ouvindo vozes, bipes e sons de respiração forçada. Quando um sorriso largo abriu-se diante de seus olhos, a voz da enfermeira o saudou de volta à vida. Ela trouxe mensagens dos seus que esperavam do lado de fora da unidade de tratamento intensivo, ansiosos para vê-lo no horário permitido às visitas. Reconheceu o barulho dos respiradores, dos monitores, dos aparelhos de radiografias. As vozes se misturavam em tons apreensivos, momentos de tranquilidade, explicações e de conforto. Antonio estava de volta, isso é que importava. Não tinha noção de quanto tempo ficou desacordado, nem tem lembranças de por onde sua mente viajou. Não sabe se foram sonhos, visões ou outra coisa. Ainda tinha dores no peito e um pouco de dificuldade em respirar. Mas abrir os olhos já havia sido um presente naquela manhã.
A rotina estabeleceu-se na delicada berlinda entre a vida e a morte que foram os dias com cuidados intensivos. Perfurações em veias para coleta de amostras de sangue, radiografias, ecografias realizadas junto ao leito e até uma máquina para fazer o trabalho dos rins que insistiam em não funcionar mais. Antônio tentou resistir a todas as provas, todas as dores, todos os reveses da maneira mais positiva possível. Procurou não ler nos olhos das visitas a tristeza, o desânimo, a culpa que trazia no peito pelo excesso de peso, pelo tabagismo, pelo descuido com o corpo nos últimos anos.
O que mais acalmava Antônio eram as orações e cantos que as freiras faziam na beira do seu leito, sempre à noite. Ele contava que quando escureciam as luzes do CTI no início da madrugada, e os técnicos de enfermagem, as enfermeiras e médicos conseguiam um tempo para descanso, elas chegavam. Aos pés de sua cama elas rezavam e cantavam as canções mais lindas e harmoniosas que jamais ouvira.
Muitas histórias eu ouvi de Antônio nas manhãs que fui examiná-lo naquele leito de onde ele não tinha forças nem condições de se levantar. Procurei ter a paciência para escutá-lo mesmo sabendo da lista de outros pacientes que me esperavam. Com a fala entrecortada pela respiração difícil, com dores no peito, ele falava entusiasmado das irmãs que cantavam só para ele, todas as noites. Surpreendia, porém, o espanto dele por não entender como as freiras liam seus livros de orações na penumbra da CTI.
Eu não tive coragem de falar nada. Não tive certeza de nada naqueles dias. Ficaram perguntas sem respostas. Foi com tristeza que cheguei naquela manhã e não mais o encontrei no leito. Ele partira desta vida no início da última madrugada. Certamente encantado pelas doces vozes do coro de irmãs que só ele via e só para ele cantavam.