Uma fração de segundos para aceitar, na aposta de jogo, um relógio. Um lance de sorte do carteado e meu bisavô o carregou como prêmio por toda vida. Do pouco a partilhar após sua morte, o relógio foi para o bolso de um sobrinho desafeto. Incomodado pelos sonhos, o devolveu a meu avô. Pode assim ter tempo para sonhar em paz.
Meu avô, sempre medroso e desconfiado com as coisas do mundo terreno e do outro, não quis esquentar nas mãos o relógio, entregando-o a meu pai, o filho varão depois de quatro mulheres.
Meu pai foi guardião do tempo. Manteve as engrenagens em perfeita harmonia. Sincronizou cada momento. Usou a vida não só para viver, mas também para lembrar. Viveu intensamente o tempo para criar cada um dos três filhos.
Nesse ínterim entre a sístole e a diástole, no despencar do velho relógio de bolso - o cordão prateado dançando no espaço - a vida fazendo uma volta, os ponteiros em sincronia, lembrei de minha mãe quando fez pesar em minhas mãos o relógio de meu falecido pai.
O chão interrompeu a perfeita sincronia dos movimentos, partindo em pedaços o tempo. Pensando no que tenho feito do meu tempo, fui absolvido por meu filho, que me ajudou juntar os pedaços.

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