Fiquei cuidando os passageiros que entravam pelo corredor do avião. Estava tentando adivinhar quais deles seriam meus companheiros de poltrona. Sentado no meio, seria inevitável eu me somar à tradicional bagunça de passageiros, procurando por espaço para suas bagagens nos compartimentos superiores. As viagens não mudam: malas que deveriam ter sido despachadas brigando com pernas e cabeças de senhores e senhoras. Uma disputa e pressa burras, pois ninguém vai partir nem chegar antes dos outros. Mas as pessoas ainda não se dão conta disto.
A loirosa passou direto, que pena! Só me resta esse gordo de camisa vermelha vir sentar ao meu lado. Eu não mereço pagar pelos meus pecados justamente hoje. A malinha dele não vai caber no espaço exíguo acima de nossas cabeças. Ufa, passou também. Essas poltronas já são pequenas para mim, imagina esse gordo roncando do meu lado. Aquele sebo escorregando na cara dele deve ser de medo. Além do tamanho todo, deve ter pavor de avião. O piloto vai ter que equilibrar as asas para não pender pro lado em que ele estiver sentado.
Afastado o perigo do obeso, percebi que qualquer companhia na viagem já seria um lucro. Foi quando vi a mocinha falando ao celular, procurando pelo numero da poltrona. Todos estavam sabendo que ela iria encontrar o namorado em Manaus. Ela deixara bem claro na conversa pública desde a sala de embarque. Não deu outra, era ela. Jogou a mochila na poltrona do corredor, acenou para alguém no fundo, tirou um dos fones do ouvido, ajeitou o chiclete no lado direito da boca e descascou:
- O senhor se importa de trocar de poltrona com a minha amiga? Nós estamos viajando juntas e ficamos em filas separadas – explica a garota de cabelos ruivos, já acenando para a tal amiga.
- Em qual a poltrona ela está? – perguntei já apertando o meu cinto.
- Acho que é na fila dezesseis. No corredor – completou, tentando me animar, quando percebeu que o meu gesto de apertar o cinto era de não sair dali.
- Me importo sim. Não quero trocar.
- Valeu, tio, muita gentileza da sua parte.
Vi o deboche na cara da garota. Não podia deixar assim:
- De nada. A propósito, não tenho sobrinha dessa idade – respondi provocando.
O chiclete dançou nervoso e estaqueou naquela boca irritada:
- Tomara que não tenha de idade nenhuma.
- Se for sentar ao meu lado de mau humor, acho que prefiro trocar de lugar.
- Vou avisar minha amiga - falou saltando da poltrona.
- Peraí, mocinha – respondi – eu disse que acho que prefiro trocar. Não disse que iria trocar. Ou melhor, pensando bem, não vou trocar.
A moça ficou vermelha. Confesso que me arrependi um pouco quando ela sentou com toda elegância de uma elefanta, apertando o cinto e rançou ao meu lado:
- Essa viagem vai ser um saco.
Pelo menos eu já me diverti. Esperei um pouco e acionei o botão chamando a comissária de bordo. Quando ela chegou, muito atenciosa, eu deixei a mocinha mais preocupada:
- Por favor, eu não encontrei aqui os saquinhos, aqueles de plástico. É que eu enjoo muito, sabe, durante o voo. Acho que vou precisar deles por precaução. A senhorita poderia me arrumar alguns?
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